O bronze e o verde são uma tendência forte neste ano. São irmãos de um conceito estético que se está a insinuar e a ganhar espaço, nas caixas dos relógios ou nos mostradores. A oxidação garante complexidade e mistério a muitos modelos. O verde abre novas fronteiras em termos de cor e liberta a criatividade dos artesãos. Por detrás sente-se um regresso à natureza. O verde traz mais liberdade ao belo mundo da relojoaria.
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Por Fernando Sobral
Em 1886, a Estátua da Liberdade não era verde. Tinha a cor do cobre — entre o vermelho e o castanho — antes de começar a oxidar. Representando Libertas, a deusa romana, que carrega uma tocha e uma tabuleta sobre a qual está inscrita a data da Declaração da Independência dos Estados Unidos — 4 de Julho de 1776 —, é um ícone da liberdade.
Em 1906, convencido de que a oxidação era um problema, o governo dos EUA tentou pintá-la. A reação popular foi de ultraje e revolta, porque todos consideravam que a oxidação do cobre permitia que este atingisse a perfeição no que à cor diz respeito. A ideia recuou e a Estátua nunca foi pintada. Libertas foi ganhando, com o tempo, a sua cor perfeita. Afinal, a oxidação pode preservar o metal durante séculos. O verde da esperança.
O bronze (metal cuja base de mistura é o cobre e que, assim, também vai ganhando uma coloração esverdeada com o tempo) é, pois, um metal com uma cor em constante mutação. Talvez por isso os relojoeiros sempre olharam para este metal com receio, mas também com fascínio e admiração. Não admira que tenha vindo a renascer, especialmente nas caixas dos relógios, nos mais recentes anos, e, especialmente, no SIHH de 2019. Os próprios mostradores não têm escapado a esta atração pelo verde. O bronze e o verde ocupam agora um lugar na fila da frente da estética relojoeira. Trata-se de uma alteração na tendência de cores hegemónicas: o azul continua a ser uma aposta forte, mas o verde assumiu-se como um ‘futuro azul’, e a cor salmão parece querer ocupar o lugar tímido do verde nos últimos anos.
Nesta transição de cores, em Genebra, ficou na memória o The Big Pilot’s Watch Perpetual Calendar Spitfire da IWC (dentro do mais largo tributo ao célebre caça britânico), que surge com uma caixa de bronze e um mostrador verde, conferindo-lhe um ar militar.
A linha 1858 da Montblanc, extremamente atrativa, segue a mesma rota. O Geosphere 1858 simboliza esta tendência: caixa de bronze, mostrador devoto do verde cáqui. Basta olhar também para o recente PAM00961, a limitada edição do Panerai Submersible Marina Militare Carbotech com elementos de verde intenso, que permitirá aos seus detentores uma experiência única, como os comandos da marinha de guerra italiana. O relógio distingue-se pelo forte peso do verde na sua conceção e estética. Neste SIHH de 2019, destacou-se também o Polo da Piaget de mostrador verde de 42 mm, que muda de tom e intensidade, dependendo do ângulo da luz. É uma tendência: no ano passado, a ligação entre o bronze e verde já tinha estado presente na edição do 80.º aniversário do Oris Big Crown Pointer Date e no Big Crown Pointer Date Bronze.
A oxidação vai trazer a esta aposta no bronze um ideário que lembra a Estátua da Liberdade. Várias tonalidades de verde irão suceder-se ao longo dos tempos. Quando se fala de pátina, fala-se de oxidação. E os relógios ganham maior complexidade. Afinal, o verde é uma cor não violenta, facilmente obtida a partir de vegetais. Mas, no passado, também representou a violência e a excentricidade.
O período da Reforma Protestante marcou decisivamente o afastamento do verde do universo relojoeiro. Para os protestantes, o negro era o símbolo da virtude, da austeridade e da autoridade e as cores vivas representavam o pecado e a luxúria. Homens e mulheres não usavam, nesses tempos, o amarelo mais vivo, o laranja brilhante ou o verde-esmeralda. Já o azul era uma cor consensual, muito presente nos vitrais das igrejas. Por isso, o verde sempre foi manipulado com precaução pelos relojoeiros. No mundo ocidental, o verde traz, diz-se de forma demasiado temerosa, infelicidade. No mundo muçulmano, é a cor do Profeta, sagrada. Na Ásia, é a do jade. Tornou-se uma cor delicada de explorar. Ciente disso, a Rolex escolheu-a para o seu universo gráfico. Não é de agora: o Submariner, um dos relógios que James Bond utilizou nas suas aventuras, é um dos modelos de culto da Rolex. Uma das suas variantes, o Oyster Perpetual Submariner Date, tem um mostrador verde, cor que se conjuga perfeitamente com o aço inoxidável da caixa e da bracelete. Mas nem por isso deixou de ser marginal.
O Grand Seiko Hi-Beat GMT é de um verde profundo. O verde sempre esteve ligado ao mundo militar. À camuflagem. A sua variante em cáqui é distinta. O BR03-92 Military Ceramic da Bell & Ross usa a cerâmica verde com naturalidade. A Victorinox usa-o no seu Swiss Army Men’s Infantry Watch, de 44 mm. O verde também sublima o Slimline Tourbillon Manufacture Or Rose da Frederique Constant. Os dados estavam há muito lançados. E este ano, no SIHH, o verde tornou-se mais abrangente.
Diferentes variantes do verde impuseram a sua presença. A Richard Mille, na sua homenagem ao velocista Yohan Blake, o RM 59-01, imaginou um relógio de desporto verde e amarelo, lembrando a bandeira da Jamaica. E o verde aparece a salpicar alguns mostradores da revolucionária linha Bonbon, influenciada pela doçaria. A Piaget, por seu lado, trouxe a cor para o seu Altiplano em 2017 (a versão de 40 mm tinha um mostrador verde que se enquadrava na perfeição com o ouro rosa da caixa). A H. Moser & Cie, no seu Endeavour Centre Seconds Concept Cosmic, onde se descobrem tonalidades esverdeadas, e a Glashütte (o verde já esteve presente na gama de propostas da coleção Iconic Sixties) também a trouxeram para as suas propostas. Sente-se que há um apelo ao verde, como esperança.
O fascínio pelo verde não é de hoje. Johann Goethe, o grande escritor, estadista e especialista em botânica e cores, escreveu um dia que: «Todas as ideias são cinzentas. Verde e frondosa é a árvore da vida». O seu livro A Teoria das Cores, de 1810, tornou-se fundamental para a discussão sobre a ‘roda das cores’ e a forma como a nossa visão as percecionava. Isso fez com que as teorias de Goethe tivessem uma influência determinante na arte, a começar pelas obras de J. W. W. Turner ou Kandinsky. Para Goethe, «o amarelo é uma luz que foi atenuada pela escuridão; o azul foi a escuridão enfraquecida pela luz». No mundo das cores, da luz e da escuridão, os nossos olhos buscam a ‘utilidade’. E, para Goethe, o verde era também isso: uma cor útil. Que abria janelas para a realidade.
As cores guiam-nos. E, muitas vezes, simbolizam tendências. Isso sempre foi claro no mundo da moda. Mas sempre esteve presente, ainda que de uma forma mais tímida, no universo da relojoaria. Nos últimos anos, a ‘vaga azul’ foi hegemónica nos mostradores de muitas das propostas relojoeiras com que nos deparámos. Mas agora parece estar a desenhar-se uma nova tendência: o verde. Poderá ter a ver com o sonhado ‘mundo verde’, nestes tempos de aquecimento global e de reconhecimento da necessidade de preservação do meio ambiente, de regresso à natureza (algo que esteve sempre tão presente no espírito dos pioneiros da indústria relojoeira suíça, entre vales e florestas). Ou pode ser apenas uma questão estética. Mas, como alguns dizem, e isso foi visível no mais recente SIHH, «o verde é o novo negro».
A indústria relojoeira habituou-nos, durante bastante tempo, às cores que ultrapassam o ciclo das estações e são perenes: o branco e o negro ocupam, há muito, o pódio das opções para mostradores. Nos últimos anos, o azul, sobretudo o de conotações mais desportivas, surgiu como uma opção tentadora, dando fôlego a muitas coleções. É certo que, no universo da relojoaria, certas cores sempre foram mais populares do que outras. Os relógios de mergulho sempre preferiram o azul. Já o negro simboliza a sobriedade e a intemporalidade. Por seu lado, o verde começa a surgir, como originalidade discreta. Como cor e, também, à boleia do bronze. Com personalidade distinta.
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